terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Apenas Mais Uma de Amor


Aqueles dois eram o que havia de mais diferente possível. Dois mundos absolutamente apartados, duas formas de viver totalmente diversas. E nem era o caso de serem opostos ou de se completarem. Nada de um ser a noite e o outro o dia, um o frio e o outro o calor. Não, nada disso, não perca tempo com devaneios românticos. Apenas eram díspares, nada tinham a ver um com o outro, nem motivo nenhum para se tornarem um par. E, a despeito de todas as probabilidades, foi o que aconteceu. Curiosidade, talvez. Nem eles mesmos sabiam o porquê de ficarem juntos, acho mesmo que não existia.

Ela era meio desenxabida, estava um pouco acima do peso e tinha constantes mudanças de humor. Ele era irascível, meio pomposo e um pouco preconceituoso. Ela era muito inteligente e tinha um lindo sorriso. Ele era muito culto e tinha um notável senso de humor. Ela trocava qualquer multidão por um bom livro ou filme. Ele sentia necessidade de barulho e badalação. Muito branca, ela não gostava de sol nem de programas "de gente saudável". Ele era atleta de fim de semana e adorava caminhar na praia. Ela, muito introspecta, ouvia a maior parte do tempo em que ele, falastrão, mal tomava o fôlego entre um assunto e outro.

Os dois formavam um casal estranho, tinham um caso de amor mal feito (mal escrito?), como se quem o idealizou tivesse se esquecido de adicionar a maioria dos ingredientes que conferem graça e encanto aos casos de amor. Mas, ainda assim, era um caso de amor e, no começo - como de costume - as coisas correram bastante bem.

O sexo parecia ótimo a julgar pelo volume dos gemidos e gritos. Ela gritava muito, sempre. Muitas vezes, mais pelo prazer de ouvir a si mesma do que pela performance do namorado. Além disso, tinha a sensação de que, se gritasse, já era um passo dado para o orgasmo, como se a ordem não fosse inversa. Ele ficava eufórico com os gritos e sentia-se cada vez mais potente. Então gozava e caía de lado, pegando no sono quase instantaneamente, com a sensação de dever cumprido.

Mesmo um pouco torto, havia excitação e enlevo no caso deles. Encantavam-se, menos um com o outro, do que com o inusitado da situação, com o desafio, com o desconhecido, é verdade, mas não deixavam de encantar-se. Nada sabiam um do outro e, por mais que conversassem, não conseguiam se comunicar de forma plena. Mas isso não foi problema durante muito tempo, já que tinham se idealizado mutuamente.

Amar um personagem é muito cômodo e lindo - este é o segredo do cinema. E estavam ambos mais interessados no que recebiam um do outro do que em qualquer coisa mais profunda.

Apenas era bom estar junto de alguém, ter com quem falar, para quem telefonar, ter alguém para dividir os acontecimentos do dia. Não importava se o outro não entendia muito bem o que escutava ou se não estava muito interessado, o mais importante era sentir que tinha alguém para ouvir. Por isso se amavam, por isso permaneciam juntos.

Passados quase quinhentos dias, no entanto, as coisas pareceram diferentes. Impossível saber quem mudara, se o relacionamento, se um dos dois, se ambos. O fato é que os pilares da realidade não eram mais fortes o suficiente para sustentar as fantasias, e até mesmo os personagens principiaram a derrocada. 

De repente, ela lhe pareceu intoleravelmente gorda e preguiçosa, e passou a recomendar-lhe todos os dias que fizesse exercícios. Ele tornou-se enfadonho e irritante aos olhos dela, que não suportava mais as piadinhas costumeiras de que sempre rira. Os gritos não eram mais eficazes para garantir o gozo, e a frustração foi aumentando, de ambas as partes.

Discutiam o tempo todo e com cada vez maior ferocidade, até que ela fez as malas e deixou um bilhete, avisando que tinha ido embora. Ele ficou furioso e tentou contatá-la durante dias, sem êxito. Não teve mais notícias dela e a raiva acabou esfriando. Sentiu um vazio e ficou triste por algum tempo, mas não muito. Só até conhecer uma outra moça que tinha o sorriso dela, mas que adorava a praia e também era atleta de fim de semana. Então...

Lívia Santana
Uberlândia - outubro/2005
Imagem: autor desconhecido.

5 comentários:

Cosmunicando disse...

então...

é, afinidades!

Cosmunicando disse...

boas festas e um ótimo 2009!
bjos

. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
. disse...

Adorei os textos! Especialmente esse! Parece que vi a minha historia! Me emocionei...
Seguindo!
beijos
www.agridoceassim.blogspot.com

Tábata Borges disse...

Amores acomodados ...
A maioria das pessoas faz isso né? OKSAKOSAKOS

Parabéns pelo post! gostei, descreve muito os relacionamentos superficiais que temos durante o decorrer de nossas vidas.

Feliz ano novo!
Bjão!

 
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