quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Baile de Formatura

Entrou no elevador cambaleando e tropeçou no carpete com o salto altíssimo. “Sapato idiota”. Olhou para os números do painel tentando se lembrar qual era mesmo o andar. A cabeça rodava, os ouvidos zuniam. Enquanto estreitava os olhos forçando a lembrança, viu os números ficarem borrados e se misturarem, piscando, azuis, pretos, cor de rosa. A pequena bolsa caiu de suas mãos, fazendo-a abaixar-se desajeitadamente para apanhá-la. Ao reerguer-se, teve a certeza de que o mundo inteiro estava se mexendo. A cabeça rodou ainda mais e se apoiou na parede do elevador, que ainda conservava a porta aberta, a luz iluminando o hall do prédio às escuras àquela hora da madrugada. Piscou repetidas vezes, tentando se orientar e, de repente, olhou em volta atônita, sem entender o porquê de estar ali parada. “Por que esse elevador não sobe?”. 

Sentiu-se enjoada e olhou em volta, procurando onde sentar-se. Nisso, encarou o espelho, onde a imagem de uma garota jovem, usando um vestido de cetim claro, cor de champanhe, tentava se equilibrar nos saltos pontiagudos. O cabelo escuro e farto, outrora penteado com capricho e elegância, pendia em mechas desalinhadas, dando um ar tresloucado à figura. Decadente, talvez fosse o termo mais exato. A maquiagem borrada produzia grandes manchas pretas sob os olhos injetados, o que destacava tristemente a palidez do rosto. O vestido – tão lindo! – estava manchado, reparou. Algo vermelho, vinho tinto talvez, maculava a saia longa, abaixo da altura do joelho esquerdo. Mas não bebera vinho. Ou será que sim? Não tinha certeza mais. Nunca bebera tanto na vida. Espantou-se de ter conseguido lembrar o endereço de casa pra dar ao táxi. 

Uma vertigem mais forte a fez encostar o corpo contra a parede e sentiu uma pontada de dor nas nádegas. Surpresa, fez uma careta e apalpou o lugar dolorido, constatando que algo mais estava errado: a calcinha havia sumido. Fechou os olhos, assaltada pela náusea, e procurou lembrar-se. Tinha vestido pra sair de casa, tinha certeza! Mas então... A cena veio em flashes confusos. O banheiro, o reservado, as mãos rudes que a apalpavam, comprimindo-a contra a parede gelada, arregaçando-lhe as saias com urgência. Não se lembrava de conhecer aquele rapaz. E nem os outros três que apareceram. 

Agora estava consciente das outras dores. Sentiu o estômago revoltar-se e vomitou no chão do elevador, tossindo e engasgando, as lágrimas quentes lavando o rosto. Depois de vomitar, sentiu-se um pouco mais lúcida e pôde divisar melhor os números no painel. Oitavo, lembrou-se. Apertou o botão, agora evitando a imagem da garota bêbada e amarfanhada no espelho. A porta abriu-se no andar indicado e tropeçou de novo no carpete ao sair. Exasperada, tirou os sapatos e seguiu descalça pelo corredor, tateando a chave na pequena bolsa. As lágrimas molhavam o decote a esta altura. A muito custo abriu a porta e precipitou-se em direção ao quarto, desesperada para se ver livre daquele vestido e daquela substância viscosa que escorria pelas coxas. Queria livrar-se do nojo, da tristeza. 

Trancou a porta e arrancou o vestido, jogando-o num canto feito lixo. Indo em direção ao banheiro, notou um bilhete afixado no espelho. Aproximando-se, leu: “Filha, tenho muito orgulho de você. Sempre soube que seria capaz de grandes feitos, só dependia e só depende de você. Lembre-se sempre disso: suas escolhas é que determinarão o que será feito da sua vida. Parabéns pela formatura. Tenho certeza de que o seu baile foi ótimo. Um beijo. Mamãe”. 


Sufocando um uivo de agonia, sentou-se no chão sob a água quente, soluçando arrasada. Grandes realizações. Grandes escolhas. Grande festa.

Nenhum comentário:

 
BlogBlogs.Com.Br