*Complemento à crônica "Sensacional". O conteúdo não é tão leve, mas achei que quem critica deve expor os motivos.
O brasileiro médio não tem a menor noção das leis que regem a sua vida. Ele fala em “meus direitos” e “justiça” diariamente e nem se dá conta de que o sentido está errado ou distorcido. Sabe que não deve matar ou roubar – isso está nos mandamentos, não? – ou sofrerá punição. Mas pára por aí. A consciência legal dele não vai além de rudimentos e, geralmente quando se expande, cria aberrações como essa mania de “vou te processar por danos morais” ou “todo brasileiro tem direito à propriedade, então vamos invadir aquela fazenda”.
Muitos erros são cometidos todos os dias por causa de falta de entendimento do texto legal. Essa onda de “pega, mata, esfola” por causa de “racismo”, por exemplo, é fruto desse massacre interpretativo. Claro, é muito louvável que a preocupação acerca da discriminação por raça ou cor tenha aumentado tanto nos últimos tempos, mas é lamentável que o mesmo não ocorra ao bom senso da população.
A Constituição diz que “a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. E, baseado nisso, hoje no Brasil se você diz “ei, neguinho!”, pode esperar a tropa de choque e a execração pública, mesmo que esse “neguinho” seja seu amigo de infância.
A lei de que fala o texto constitucional define os crimes resultantes de preconceito – exemplarmente – como sendo, em suma, discriminar e prejudicar quem quer que seja por motivo de preconceito de qualquer natureza. Ou seja, impedir uma criança de se matricular numa escola, preterir um candidato a emprego ou diferir no tratamento a uma cliente no supermercado, por causa da cor da pele, constitui crime por preconceito. E como tal, deve ser tratado com o maior rigor. No entanto, em momento algum ela estabelece que “chamar alguém de negro, crioulo, preto ou seja-lá-qual-derivação seja crime inafiançável e imprescritível, sujeito à reclusão”.
O Código Penal, por outro lado, define as infrações chamadas de “crimes contra a honra”. Calúnia, difamação e injúria. Parecem a mesma coisa, mas não são. Acusar alguém de um crime que este não cometeu, é calúnia. Imputar a alguém fato genérico ofensivo é difamação. Qualificar alguém de forma pejorativa é injúria. É perceptível aonde se encaixa chamar quem quer que seja de “preto”, não?
Esse mesmo código diz que quando a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime é mais grave e portanto tem maior punição. Aqui novamente vemos uma preocupação quanto à prática preconceituosa, torno a dizer, muito louvável. Entretanto, a lei não fala em negar fiança ou declarar que a infração dure até a morte, apenas por se tratar de injúria racista.
Há que se notar a hierarquia normativa entre a Constituição e as demais codificações, bem como a maior e menor importância dos assuntos tratados por uma e outras. E encarar de forma razoável o assunto, de acordo com a situação concreta.
Voltando ao caso do jogador argentino preso na semana passada por “crime de racismo”, há muitas considerações a serem feitas.
Uma pessoa só é processada por crime de injúria mediante denúncia da vítima. Antes disso, a polícia ou o Ministério Público não têm competência para fazer nada quanto à ofensa praticada. Percebe-se que no caso em questão, o jogador argentino foi preso “em flagrante” antes mesmo que o jogador Grafite prestasse qualquer queixa. Aliás, essa prisão em flagrante é extremamente questionável, eis que o jogador cometeu o crime, a partida prosseguiu, terminou o primeiro tempo, o segundo e só então o delegado deu voz de prisão. Quanta pressa, não?
Pois bem, o jogador foi preso e então a vítima fez a denúncia, corrompendo o devido trâmite do inquérito policial. A multa estabelecida teve um valor exorbitante e o tratamento dispensado ao jogador argentino foi condenável. A imprensa divulgou amplamente o caso, e a opinião pública ficou em polvorosa quando o jogador foi solto por um crime “inafiançável”, quase hediondo! “Ainda mais um argentino!”
Certo, agora a análise é a seguinte: o jogador argentino não se tornou um estandarte? Não foi “punido exemplarmente” de uma forma irregular e questionável? A situação não foi sensivelmente agravada por ser o infeliz da malfadada nacionalidade argentina? Houve alguma imparcialidade na coisa toda? Se achar que sim, aponte para mim, então, pois meus olhos míopes não conseguem percebe-la.
Pense sob a seguinte perspectiva: o jogador argentino insultaria o jogador brasileiro do nada, apenas por que ele é argentino e portanto tem a índole ruim? Mais uma coisa: o jogador brasileiro foi insultado e “enfiou” a mão na cara do jogador argentino em resposta, na frente de milhares de pessoas. Não seria um comportamento que comprometeria a honra do argentino, tanto quanto um negro ouvir ali, no pé do ouvido, no calor do jogo, que é um “neguinho de merda”?
No citado Código Penal está escrito que “o juiz pode deixar de aplicar a pena quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria” e também “em caso de retorsão imediata que consista em outra injúria”. Ora, tinha havido outro jogo anteriormente àquele cuja prisão foi efetuada. Pode garantir que não se ofenderam e se agrediram mutuamente antes?
A história toda foi usada como bandeira para a causa anti-racista. Nesse momento, todos estão debatendo isso e todos têm respaldo para serem ouvidos. Grafite, Pelé, o Ministro de não-sei-o-quê, o Presidente Lula, Eurico Miranda, e quem mais quiser entrar na dança.
Jogadores brasileiros que jogam na Argentina garantem que na Argentina, tanto quanto aqui, chama-se uns aos outros de “neguinho” sem conotação racista alguma. O time do jogador preso afirma que vai pedir reparação por danos morais.
Com o devido respeito, o que aconteceu foi um circo ainda maior que os tribunais norte-americanos. A mídia foi uma catástrofe, os ativistas aproveitaram a repercussão de forma indevida e eis que quase foi gerado um conflito de proporções internacionais. Por causa de um joguinho de bola. É o cúmulo. Ainda bem que eu não entendo de futebol.
O brasileiro médio não tem a menor noção das leis que regem a sua vida. Ele fala em “meus direitos” e “justiça” diariamente e nem se dá conta de que o sentido está errado ou distorcido. Sabe que não deve matar ou roubar – isso está nos mandamentos, não? – ou sofrerá punição. Mas pára por aí. A consciência legal dele não vai além de rudimentos e, geralmente quando se expande, cria aberrações como essa mania de “vou te processar por danos morais” ou “todo brasileiro tem direito à propriedade, então vamos invadir aquela fazenda”.
Muitos erros são cometidos todos os dias por causa de falta de entendimento do texto legal. Essa onda de “pega, mata, esfola” por causa de “racismo”, por exemplo, é fruto desse massacre interpretativo. Claro, é muito louvável que a preocupação acerca da discriminação por raça ou cor tenha aumentado tanto nos últimos tempos, mas é lamentável que o mesmo não ocorra ao bom senso da população.
A Constituição diz que “a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. E, baseado nisso, hoje no Brasil se você diz “ei, neguinho!”, pode esperar a tropa de choque e a execração pública, mesmo que esse “neguinho” seja seu amigo de infância.
A lei de que fala o texto constitucional define os crimes resultantes de preconceito – exemplarmente – como sendo, em suma, discriminar e prejudicar quem quer que seja por motivo de preconceito de qualquer natureza. Ou seja, impedir uma criança de se matricular numa escola, preterir um candidato a emprego ou diferir no tratamento a uma cliente no supermercado, por causa da cor da pele, constitui crime por preconceito. E como tal, deve ser tratado com o maior rigor. No entanto, em momento algum ela estabelece que “chamar alguém de negro, crioulo, preto ou seja-lá-qual-derivação seja crime inafiançável e imprescritível, sujeito à reclusão”.
O Código Penal, por outro lado, define as infrações chamadas de “crimes contra a honra”. Calúnia, difamação e injúria. Parecem a mesma coisa, mas não são. Acusar alguém de um crime que este não cometeu, é calúnia. Imputar a alguém fato genérico ofensivo é difamação. Qualificar alguém de forma pejorativa é injúria. É perceptível aonde se encaixa chamar quem quer que seja de “preto”, não?
Esse mesmo código diz que quando a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime é mais grave e portanto tem maior punição. Aqui novamente vemos uma preocupação quanto à prática preconceituosa, torno a dizer, muito louvável. Entretanto, a lei não fala em negar fiança ou declarar que a infração dure até a morte, apenas por se tratar de injúria racista.
Há que se notar a hierarquia normativa entre a Constituição e as demais codificações, bem como a maior e menor importância dos assuntos tratados por uma e outras. E encarar de forma razoável o assunto, de acordo com a situação concreta.
Voltando ao caso do jogador argentino preso na semana passada por “crime de racismo”, há muitas considerações a serem feitas.
Uma pessoa só é processada por crime de injúria mediante denúncia da vítima. Antes disso, a polícia ou o Ministério Público não têm competência para fazer nada quanto à ofensa praticada. Percebe-se que no caso em questão, o jogador argentino foi preso “em flagrante” antes mesmo que o jogador Grafite prestasse qualquer queixa. Aliás, essa prisão em flagrante é extremamente questionável, eis que o jogador cometeu o crime, a partida prosseguiu, terminou o primeiro tempo, o segundo e só então o delegado deu voz de prisão. Quanta pressa, não?
Pois bem, o jogador foi preso e então a vítima fez a denúncia, corrompendo o devido trâmite do inquérito policial. A multa estabelecida teve um valor exorbitante e o tratamento dispensado ao jogador argentino foi condenável. A imprensa divulgou amplamente o caso, e a opinião pública ficou em polvorosa quando o jogador foi solto por um crime “inafiançável”, quase hediondo! “Ainda mais um argentino!”
Certo, agora a análise é a seguinte: o jogador argentino não se tornou um estandarte? Não foi “punido exemplarmente” de uma forma irregular e questionável? A situação não foi sensivelmente agravada por ser o infeliz da malfadada nacionalidade argentina? Houve alguma imparcialidade na coisa toda? Se achar que sim, aponte para mim, então, pois meus olhos míopes não conseguem percebe-la.
Pense sob a seguinte perspectiva: o jogador argentino insultaria o jogador brasileiro do nada, apenas por que ele é argentino e portanto tem a índole ruim? Mais uma coisa: o jogador brasileiro foi insultado e “enfiou” a mão na cara do jogador argentino em resposta, na frente de milhares de pessoas. Não seria um comportamento que comprometeria a honra do argentino, tanto quanto um negro ouvir ali, no pé do ouvido, no calor do jogo, que é um “neguinho de merda”?
No citado Código Penal está escrito que “o juiz pode deixar de aplicar a pena quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria” e também “em caso de retorsão imediata que consista em outra injúria”. Ora, tinha havido outro jogo anteriormente àquele cuja prisão foi efetuada. Pode garantir que não se ofenderam e se agrediram mutuamente antes?
A história toda foi usada como bandeira para a causa anti-racista. Nesse momento, todos estão debatendo isso e todos têm respaldo para serem ouvidos. Grafite, Pelé, o Ministro de não-sei-o-quê, o Presidente Lula, Eurico Miranda, e quem mais quiser entrar na dança.
Jogadores brasileiros que jogam na Argentina garantem que na Argentina, tanto quanto aqui, chama-se uns aos outros de “neguinho” sem conotação racista alguma. O time do jogador preso afirma que vai pedir reparação por danos morais.
Com o devido respeito, o que aconteceu foi um circo ainda maior que os tribunais norte-americanos. A mídia foi uma catástrofe, os ativistas aproveitaram a repercussão de forma indevida e eis que quase foi gerado um conflito de proporções internacionais. Por causa de um joguinho de bola. É o cúmulo. Ainda bem que eu não entendo de futebol.
Lívia Santana.
Uberlândia - 04/2005
Imagem: autor desconhecido.
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